quinta-feira, 24 de agosto de 2006

"A Camioneta da Carreira" (III)

já lá vem à capelinha! Era correria desenfreada pela certa, para garantir um lugar agarrado à escada, desde a curva da Fábrica (para os melhores) ou da curva do Espanhol (para os outros) até à Ponte!

A camioneta da carreira gerava sempre um frenesim, uma ansiedade, uma expectativa que não deixava ninguém indiferente. Uns esperavam pelos que regressavam após ausências prolongadas, outros pelas notícias, outros pela encomenda, outros pelos medicamentos que vinham da farmácia de Silvares, outros, pelo pai no final de um longo dia de mina… sei lá!... outros ficavam à espera da camioneta da carreira do dia seguinte, e do outro dia… e do outro dia!A camioneta da carreira gerava também a maior das nostalgias e a maior das saudades!... a dos que partiam! Cada um sabe das suas.A camioneta da carreira sempre foi a nossa “estrada” sem fim, o nosso elo moderno de ligação ao mundo.
Sobreviveu ao aparecimento da televisão! Ainda não víamos a RTP1 em S. Jorge e já tínhamos uma carreira de portas automáticas. Foi de carreira que nos chegaram as imagens dos grandes acontecimentos que mudaram o mundo. A foto do primeiro homem na lua, chegou a S. Jorge de carreira, estampada na primeira página de um jornal! Ainda me recordo do Sr. Tomás, à Cruz da Rua, a exibir a notícia e a mostrar a foto, que acabara de chegar na carreira das 10h.Tantos encontros e desencontros, tantos desejos, tantos sonhos e projectos viajaram nos bancos e através das vidraças daqueles cavalos de montanha, indiferentes ao pó, ao calor, ao frio, à chuva, à neve ou à geada, ligando, sem parar, os nossos corações e as nossas vidas!O verdadeiro significado da camioneta da carreira é o da “ligação”, no mais profundo que a comunicação e a cultura significam, acima de qualquer forma de transporte, que é apenas um meio de que o homem se serve para se tornar mais digno na sua caminhada pelo mundo.
Que a luta pela camioneta da carreira seja digna e sem tempo! Porque o tempo da camioneta da carreira não é só este!

Vitor Baptista

8 comentários:

Anónimo disse...

EXCELENTE Vitor e Finadamina AO LER esta bela prosa " viagei " até á m/ infância. Era exactamente como no So9bral ...apanhar pequenas calossas pendurados na escada, mas ás vezes o cobrador saltava em movimento e vinha-nos
"sacudir". A NOSSA carreira que chegou muitos anos depois da VOSSA
foi também o cordão umbilical que nós ligou á civilização. Parabéns.

finadamina disse...

Virgílio bem hajas pelas tuas elogiosas palavras e pelo teu apoio.

Os elogios têm que todos direitonhos para o Vitor.

Eu apenas aquilo que o meu coração e razão mandaram: pôr em post o comentário do Vitor. Tá muito bonito, não está?
Eu não corri atrás da camioneta porque não tinha coragem para o fazer e, nem sei se alguma garota correu...

Anónimo disse...

Finadamina voltei cá , e ao reler o m/ comentário vi que escrevi mal cavalossas - que era como nós diziamos quando andavamos de carro embora como se vê a origem da palavra venha de cavalo. Realmente os garotos faziam muito mais asneiras que as garotas, a prova é que muitos partiam a cabeça várias vezes , alguns até varias vezes no
ano . Saudações.

Anónimo disse...

Finadamina... mais uma vez parabéns!! Coloquei um post na sexta mas não deve ter entrado pq fiquei "offline"!!! Tb queria dar os PARABÉNS ao Sr Vitor pq adorei esta forma "desinteressada" de expor recordações, de uma forma tão eloquente!!! Fiquei impressionada!!! Quanto ao Virgilio, resta dizer q era bom q houvesse tantas pessoas como ele, não o conhecendo pessoalmente é sp uma pessoa q faz os seus comentários e nos envolve... tens alma!!! Sobralense, claro e do mundo!!! Bem hajam, a todos!

Anónimo disse...

Ah! As minhas experiências na "camioneta da carreira" versão Sobral, são um pouco diferentes das Vossas mas q recordo tb com Saudade! As peripécias eram tantas que seriam necessários vários dias. Além de servir para estudar - q o tempo em casa ñ dava para tudo; as viagens eram sp animadas, euforicas e cheias de jovialidade (6 anos de peripécias!!!) Ah! Saudade!! Ainda dizem q o "estudante" ñ sofre, sabe Deus o que passavamos, 3,4 horas/dia dentro daqueles "chassos"... enfim!!! O sacrificio valeu a pena...

Anónimo disse...

Espanto e comoção pelas suas bem esculpidas palavras.Um dia, ainda criança ouvi falar de uma terra que de Cebola tinha passado a S.Jorge da Beira e de uma camioneta que saía de madrugada e que dava ligação ao comboio, a Lisboa e ao Mundo. Fiquei curioso, e um dia de há 30 anos por lá passei e fui na camioneta da carreira, claro. Por mim e pelo meu pai que tanto gostaria de ter lido as suas palavras aqui fica o Bem Haja

José COVITA

finadamina disse...

Sr José Covita

Só hoje "dei" pelo seu comentário.
Bem haja por ter partilhado a sua experiência.

Anónimo disse...

Obrigado pelas suas palavras... fez-me relembrar o pensamento do dramaturgo Witold Gombrowics, que ouvi da boca de uma das suas personagens, na Peça o "Casamento": “A palavra transforma-se numa declaração e como uma pedra afoga-se no silêncio”. O seu verdadeiro sentido está na redescoberta, que dá sentido á palavra comunidade.
Eu é que lhe agradeço.
Bem Haja,
Vitor